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 GAMBIARRA

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MensagemAssunto: GAMBIARRA   GAMBIARRA Icon_minitimeTer Set 01, 2009 11:35 am

GAMBIARRA – ALGUNS PONTOS PARA SE PENSAR UMA TECNOLOGIA RECOMBINANTE (1)
Ricardo Rosas

“A rua acha seus próprios usos para as coisas.”
William Gibson, “Burning Chrome”.

Dois fatos contemporâneos: em 11 de março de 2004, em Madri, bombas explodem em estações de trem e metrô, matando milhares de civis. Entre 12 e 16 de maio de 2006, em São Paulo, ações coordenadas por celular pelo comando do PCC (Primeiro Comando da Capital), promovem ataques a diversos pontos da cidade, espalhando o pânico. Em ambos os casos, trata-se de ações que aterrorizaram a sociedade e tiveram impacto profundo no cotidiano dessas cidades.

Mais além de se associar essas ações com as práticas de terrorismo urbano, outro elemento aproxima os eventos. Um elemento talvez essencial em seus funcionamentos, sem o qual não teriam funcionado. Elemento que talvez tenha passado quase desapercebido, tão subliminar e imperceptível na feitura, mas crucial na execução: as ações foram executadas provavelmente a partir de recursos restritos ou precários, com dispositivos gerados no improviso, ou seja, gambiarras.

Boa parte dos celulares usados nas prisões, antes, durante e quiçá mesmo depois dos ataques do PCC provêm de aparelhos roubados adaptados a chips igualmente roubados, procedimento usual na prática da clonagem. As bombas detonadas em Madri eram compostas de dinamite e nitroglicerina acopladas a um celular.

E assim, oxalá, nem tudo são más notícias. A mesma época que presencia o uso da gambiarra como bomba, vê igualmente seu uso como criadora de soluções, como reciclagem de sucatas e outros materiais e tecnologias descartados pela sociedade de consumo, e como obra de arte. .

O que é, afinal, gambiarra? Definições de um dicionário como o Houaiss, vinculam-na ao famoso puxadinho, ou gato, “extensão puxada fraudulentamente para furtar energia elétrica” ou a definição, mais comportada, de “extensão elétrica, de fio comprido, com uma lâmpada na extremidade” (2). A gambiarra, no entanto, é aplicada correntemente, pelo senso comum, para definir qualquer desvio ou improvisação aplicados a determinados usos de espaços, máquinas, fiações ou objetos antes destinados a outras funções, ou corretamente utilizados em outra configuração, assim postos e usados por falta de recursos, de tempo ou de mão de obra.

Mais do que isso, porém, a gambiarra tem um sentido cultural muito forte, especialmente no Brasil. É usada para definir uma solução rápida e feita de acordo com as possibilidades à mão. Esse sentido não escapou à esfera artística, com várias criações no terreno próprio das artes plásticas. É dessa seara que podemos captar mais alguns conceitos reveladores da natureza da gambiarra e seu significado simbólico-cultural. Em um ensaio sobre o tema da gambiarra nas artes brasileiras, “O malabarista e a gambiarra”, Lisette Lagnado sugere que a gambiarra é uma peça em torno da qual um tipo de discurso está ganhando velocidade. Articulação de coisas banidas do sistema funcional, a gambiarra, tomada “como conceito, envolve transgressão, fraude, tunga – sem jamais abdicar de uma ordem, porém de uma ordem muito simples” (3). O mecanismo da gambiarra, para Lagnado, teria, além disso, um acento político além do estético. Baseada na falta de recursos, a “gambiarra não se faz sem nomadismo nem inteligência coletiva”.

A gambiarra está igualmente muito próxima do conceito de bricolagem formulado por Claude Lévi-Strauss em O Pensamento Selvagem. Pensando o bricoleur como “aquele que trabalha com suas mãos, utilizando meios indiretos se comparado ao artista” (4), seu conjunto de meios não é definível por um projeto, como é o caso do engenheiro, mas se define apenas por sua instrumentalidade, com elementos que são recolhidos e conservados em função do princípio de que “isso sempre pode servir”. O bricoleur cria usando expedientes e meios sem um plano preconcebido, afastado dos processos e normas adotados pela técnica, com materiais fragmentários já elaborados, e suas criações se reduzem sempre a um arranjo novo de elementos cuja natureza só é modificada à medida que figurem no conjunto instrumental ou na disposição final. A diferenciação que Lévi-Strauss faz entre o bricoleur e o engenheiro é essencial para se entender a gambiarra, essa livre criação mais além dos manuais de uso e das restrições projetuais da funcionalidade, como uma prática essencialmente de bricolagem.

Acima de tudo, para se entender a gambiarra não apenas como prática, criação popular, mas também como arte ou intervenção na esfera social, é preciso ter em mente alguns elementos quase sempre presentes. Alguns deles seriam: a precariedade dos meios; a improvisação; a inventividade; o diálogo com a realidade circundante, local, com a comunidade; a possibilidade de sustentabilidade; o flerte com a ilegalidade; a recombinação tecnológica pelo re-uso ou novo uso de uma dada tecnologia, entre outros. Tais elementos não necessariamente aparecerão juntos ou estarão sempre presentes. De qualquer modo, alguns deles sempre aparecem por uma circunstância ou por outra.

Além disso, sempre temos aqui uma parcela de imprevisibilidade, de forma que as coisas podem ser o que parecem – ou não. Some-se a isso, como veremos mais à frente, as presentes condições tecnológicas, que ampliam infinitamente as possibilidades recombinantes das tecnologias, aparatos e artefatos que nos circundam, dilatando ainda mais o conceito e definição do que seria ou não gambiarra.

Por questões de espaço e pelo número gigantesco de criações, nos restringiremos a produções brasileiras e latino-americanas.
Podemos começar abordando a gambiarra de teor propriamente popular, aquela que conhecemos das ruas. A gambiarra é indubitavelmente vernacular, por sua natureza e origem. Nasce nos meandros da espontaneidade, do improviso diário para a sobrevivência, algumas vezes no terreno do pirateado, do ilícito, outras vezes dando um adicional criativo no meio do caos e da pobreza diária. O escopo é imenso, mas podemos pensar aqui numa ainda incipiente cartografia de aparatos e configurações:

Gatos, ou puxadinhos, ou seja, as fiações de energia elétrica ilegais; as “TVs a gato”, pegando ilegalmente programações de TVs a cabo; as montagens de bicicletas com caixas de som para propaganda popular em Belém do Pará, chamadas “bikes elétricas”; O Triciclo Amarelinho do seu Pelé, no Rio de Janeiro, conforme Gabriela Gusmão (6), que junta aparelho de som 3 em 1, TV, farol, baterias, capa de chuva, despertador e luzes de natal; ; os já “estabelecidos” trios elétricos, como sua mistura de caminhão e caixas de som de sound-system;; as transformações de sound systems em verdadeiros painéis de controle de naves espaciais nos bailes funk cariocas, entre outras variantes;

Algumas produções na esfera artística retratam esse universo da gambiarra popular, seja por um lado mais de registro e estudo como design, caso das fotos de Gabriela de Gusmão Pereira, ou nos registros de Christian Pierre Kasper, ou ainda nas fotos e vídeos de Cao Guimarães.

Reinterpretações sutis e sofisticadas do universo da gambiarra tecnológica popular têm sido feitas, por exemplo, por um coletivo brasileiro como o Bijari, que reutiliza muito do imaginário popular em pesquisas com camelôs, catadores e gambiarras, entre as quais se destaca seu atual projeto de pesquisa, sobre “tecnologias resistentes”.

Não poderíamos deixar de mencionar igualmente as práticas usuais na arena digital e catalogar algumas práticas como a pirataria digital, o crackeamento de programas, o war-driving (invasão de redes sem fio desprotegidas), utilizando, por exemplo, tubos de batatas Pringles, entre outras. O mesmo raciocínio vale para a crescente comunidade de desenvolvedores de software livre e open source. Baseados numa rede de intensa troca de informações e de códigos, seus criadores estão sempre criando, improvisando configurações, inventando novas modalidades de uso, de aplicação, verdadeiras “gambiarras de códigos”, abertas à interferência e ao aprimoramento do programa por quem se habilitar a fazê-lo.

Um outro tipo de gambiarras seriam aquelas criadas por artistas ou ativistas, através, por exemplo, de recriações de máquinas, suas alterações ou perversões ou novos usos. Ligações entre práticas artísticas e a invenção/alteração de máquinas não são nenhuma novidade. Engenhocas imaginadas ou produzidas por artistas povoam a imaginação humana já de longa data, se pensamos em criadores como Leonardo da Vinci ou Athanasius Kircher, para ficarmos em exemplos bem remotos.

Uma máquina interessante, sem garantias, todavia, de bom funcionamento, é o Brain decooder plus, do artista recifense Moacir Lago. Divulgada como um “decodificador de pensamentos”, é uma invenção licenciada pela empresa Obsoletch Brasil, outra criação do artista. Elecumpriria a função que a tecnologia ainda não teria alcançado: decodificar o que há de mais íntimo e pessoal, ou seja, pensamentos e desejos. Por meio da ironia, Lago quer estimular a reflexão em torno da questão da ética na ciência e no avanço tecnológico, bem como a relação entre os artefatos tecnológicos e o cotidiano das pessoas. Para ele, as invenções tecnológicas criam desejos de consumo nas pessoas, que passam a achar obsoletos os equipamentos que possuem, frente a lançamentos novos e mais modernos. Além de questionar o uso da tecnologia pela arte e vice-versa, o artista põe em discussão a apropriação e democratização do conhecimento tanto na ciência como na arte. Questionando a legitimação da arte por uma galeria, ele transformou o espaço da galeria da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, em dois ambientes da Obsoletch.

Mais envolvido com pesquisas de som, Paulo Nenflídio é um criador de engenhocas e geringonças sonoras que misturam materiais impensados e surpreendentes, como um berimbau com mouse e bobina de campainha ou instrumentos musicais que funcionam com o vento. Como instrumento de intervenção no espaço público, sua Bicicleta Maracatu é sem dúvida das que mais chama atenção. Uma engenhoca instalada na traseira da bicicleta repete o ritmo do maracatu tocando um agogô quando se pedala. Gambiarras sonoras seriam igualmente as instalações e apresentações do grupo de músicos-artistas Chelpa Ferro, como um saco plástico preso a um motor, chamado de “Jungle” pela sonoridade rítmica semelhante à batida do jungle, ou a instalação Nadabrahma”, que chacoalha mecanicamente galhos de árvores secos com sementes, entre outras “máquinas sonoras”.

Artista proveniente da cena de mídia-arte, Lucas Bambozzi volta e meia trabalha com transgressões na esfera tecnológica. De especial interesse aqui é seu recente Spio Project, um robô aspirador Roomba hackeado para ser equipado com câmeras CCTV infravermelhas sem fio e de alta sensibilidade, e um diodo emissor de luz (led) para rastreamento no escuro. Spio transmite imagens em tempo real de acordo com a posição do robô, como uma espécie de gerador contínuo e autônomo de imagens sem autoria humana, e seus movimentos são seguidos por duas câmeras. Num “curto-circuito” em parte previsto, o robô tende a comportamentos e movimentos caóticos, enquanto ao mesmo tempo irrita os visitantes. Uma das intenções do projeto é discutir a quase desapercebida invasão de nossas casas por aparelhos aparentemente inocentes, os quais podem muito bem estar equipados com dispositivos de vigilância ou localização remota. Spio alude às novas práticas emergentes na cultura digital, como o sampling e o remix, a inefetividade da intenção em trabalhos interativos, as mudanças na noção de autoria ou o trânsito contínuo entre altas e baixas tecnologias. Obviamente, o alvo maior de Spio é mesmo a vigilância que cada vez mais faz parte de nossa rotina, traduzida aqui numa paródia bem humorada e desfuncional de um pequeno gadget cativante (ou irritante) representando o arquétipo do olho eletrônico das sociedades de vigilância.

Sem estardalhaço, Etienne Delacroix, talvez mais do que qualquer outro, é dos artistas que mais incorporam muitas das questões aqui já discutidas. Belga e morando atualmente no Brasil, ele trafega numa zona indistinta onde se borram as fronteiras entre arte e engenharia, inclusão tecnológica e criatividade, gambiarra e design, ativismo cultural e educação, apropriação e reinvenção, teoria e prática. Bricoleur dos computadores, é um tipo de artista muito mais do processo que do produto. Formado em física, já passou, por exemplo, pelo MIT, onde tentou implementar seus “workshops nômades”, cuja idéia básica era criar uma interface de custo baixo entre a gestualidade do artista tradicional e os fundamentos das ciências da informática e da engenharia elétrica. Reunindo estudantes de engenharia, computação, artes, comunicação, design, arquitetura e música, por um lado, e a crescente massa de sucata computacional, o projeto só começou a decolar mesmo na Universidad de La Republica em Montevidéu. Ali, em seus ateliês, computadores sucateados são desmontados, os dispositivos ainda operantes são selecionados e reaproveitados e usados não somente para construir computadores mas para fazer grandes instalações de arte. Não se trata aqui de algo como uma “reciclagem” de máquinas com propósitos de inclusão social ou digital, mas antes de uma atitude mais fundamentalmente experimental, de uma processualidade técnica que envolve a sensibilidade de forma mais complexa, sem por isso deixar de lado essa mesma inclusão digital. Não será novidade nenhuma afirmar que no Brasil a gambiarra é uma prática “endêmica”. Mesmo assim, por que até hoje não hã uma teoria que lhe contemplasse a práxis? . Este texto é só um primeiro passo nesse sentido. Talvez possamos ver razões para essa situação nos contextos em que as teorias sobre tecnologia, arte eletrônica, arte e tecnologia, ou mídia-arte florescem no Brasil. Deveríamos, pois, nos voltar mais ao que acontece à nossa volta, nas ruas, em vez de apenas estarmos a par das novas tendências nos EUA ou na Europa. Mais do que isso, talvez, se engajar num entendimento da gambiarra tecnológica demandaria igualmente abandonar pressupostos, vícios e preconceitos que ainda dominam algumas dessas cenas. Acima de tudo, abrir os olhos para um possível excesso de auto-complacência, um esnobismo para com as práticas mais populares. Da mesma forma que uma “arte pela arte”, as criações de arte e tecnologia muitas vezes correm o risco do ostracismo da “arte pela tecnologia”.

Nesse meio tempo, fecha-se os olhos para fenômenos que abundam não apenas na arena do imaginário popular, nas ruas de nossas grandes e pequenas cidades, entre bancas de camelôs ou nas esquinas das favelas, mas que estão igualmente disseminados, talvez com outros nomes, na cultura geek, nas cada vez mais criativas e abundantes produções das novas mídias, assim como são moeda corrente nas ações e máquinário de midiativistas e praticantes de mídias táticas.

Na cultura geek, como não perceber todas as práticas disseminadas na programação, nas instalações de sistemas, de tentativas com novos programas na comunidade de software livre, por exemplo, numa contínua reinvenção e práticas de testes? Isso sem contar o crescente número de modificações de aparelhos por usuários, as customizações, os hackings de games, de robôs, entre outros.(...)

CONTINUA...


FONTE: http://www.rizoma.net/interna.php?id=348&secao=artefato
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MensagemAssunto: Re: GAMBIARRA   GAMBIARRA Icon_minitimeTer Set 01, 2009 11:16 pm

O texto continua, Leno???
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MensagemAssunto: Re: GAMBIARRA   GAMBIARRA Icon_minitimeQua Set 02, 2009 7:03 am

Sim Ruth...Pq ia ficar GIGANTE....rs
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MensagemAssunto: Re: GAMBIARRA   GAMBIARRA Icon_minitimeQua Set 02, 2009 11:54 pm

faço um curso (papai me obrigou) de eletricidade
e essa palavra "gambiarra", que é bem feia por sinal, é um jargão.
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MensagemAssunto: Re: GAMBIARRA   GAMBIARRA Icon_minitime

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