Minha interpretação é muito pessoal e muito “de momento”. Só estou postando porque Rafa me pediu, então, ele (você, Rafa) está meio que intimado a postar a sua interpretação também. E peço desculpas pelo livro grandão.
Já tinha pensado antes na classificação de Creep como música de “bêbado-com-dor-de-cotovelo”, o que é um tema antigo e universal na literatura e na música, desde a mais “clássica” a mais “brega”. Quem nunca foi rejeitado, ou ignorado, quem nunca teve uma paixão que “nem sabe que você existe”?
Mas, música desse tipo tem aos montes, o que torna Creep especial? Só posso dizer o porquê ela se tornou especial pra mim. Antes de Creep, eu já tinha visto o vídeo de Karma Police (achei muito linda a música e muito foda! o clip), e, claro, Fake Plastic Trees me fez chorar com o Carlinhos, até hoje faz. Mas nada disso me fez ter vontade de conhecer Radiohead.
Quando ouvi Creep pela primeira vez (ou que eu me lembre de ser a primeira vez e ficar hipnotizada) lembro que não tava nem aí pra letra, foi a música que me fisgou; na letra eu só fui pensar depois, mas foi o suficiente pra me apaixonar e virar radioheader.
Bom, é melhor explicar como expliquei pro Rafa ontem. Outro dia eu tava no PC com um monte de pages abertas e o PC travou, apertei uma tecla e aí fez o barulho de trava parecido com o ruído que inicia o show de IR, teclei de novo várias vezes pra fazer o ruído, mas não deu música, eu não sou o Jonny!
Ontem, vendo no youtube Creep em Sampa, a emoção do Thom me deixou arrepiada e aí pensei “porque eu não estava lá espremida, gritando e me sentindo especial porque o “
Thom estaria cantando pra mim”? ” e aí caiu a ficha: a gente só quer se sentir especial pra uma pessoa que a gente considera especial, mas é bem provável que a gente se mostre Creep pra essa pessoa especial (vide “fãs sem tato” ou “celebridades sem noção”). Sempre há o risco de ser esnobado: “
she’s running out again / she’s running out / she runs / she runs runs runs!”.
Não seriam os versos simples, mas muito bem construídos, que criam imagens belíssimas, o que fazem essa música se tornar poética, universal?
Os versos “
You’re just like an angel / Your skin makes me cry / You float like a feather / in a beautiful world” não te faz ter vontade de ser esse ser “
fucking special”?, mas os versos “
When you were here before / Couldn’t look you in the eye / I wish I was special / But I’m a Creep / I’m a weirdo” não te colocam na posição do miserável “
I”?
“
Eu”, “
Você”, “
Ele”, “
Ela”,
Nós somos o Creep.
Quando Thom chora “
you’re so fucking special!” quem é que não se lembra/se sente/pensa que pelo menos uma vez na vida você foi Creep, agiu como um bêbado, ou passou uma péssima impressão pra alguém que justamente você mais queria que te considerasse especial? Ou quantas vezes você não fez alguém se sentir um verme, inadequado por algo que você disse ou fez? Quem nunca passou por uma situação crítica na vida em que um segundo teve mais peso que sua vida inteira, uma primeira impressão teve mais valor que todas as outras impressões seguintes? Quem nunca se sentiu inadequado? “
I’m a weirdo / What the hell am I doing here? / I don’t belong here.”
Quem nunca perdeu o controle e só foi perdoado porque perdeu o controle na frente de pessoas que te conhecem e te consideram especial e sabiam que aquele momento foi só um momento creepy?
E por mais que se queira ter controle sobre a própria imagem para ser admirado e desejado: “
I just wanna have control / I want a perfect body / I want a perfect soul”, controlar a imagem dá um trabalho: “
whatever makes you happy / whatever you want”, e dói pra caralho, mas a gente diz que não liga: “
I don’t care if it hurts”.
Creep me fez pensar que se (eu) você tem pelo menos uma pessoa na vida que (me) te conhece bem a ponto de entender que mesmo que aconteça um momento de descontrole total, essa pessoa por (me) te conhecer muito bem vai (me) te perdoar porque sabe que (eu) você (sou) é um ser humano que vale a pena, que é fucking especial.
Creep também me fez pensar no quanto é fácil julgar e ser julgado por momentos únicos: um segundo, uma palavra mal colocada no tempo errado; e que a vida toda é mesmo feita de momentos singulares: um ruído que pode (ou não) se tornar música, um momento de descontrole, ou uma faísca de genialidade. Mas que só a somatória dos momentos (em um dado momento) é que decidirá se a gente é
Creep ou
fucking special pra alguém.