jazz anda sempre à procura de novos standards. Possivelmente o esforço mais notável que conheço é o de Herbie Hancock. Em muito boa companhia – Michael Brecker (saxofones tenor e soprano), John Scofield (guitarras acústica e eléctrica), Dave Holland (baixo), Jack DeJohnette (bateria) e Don Alias (percussão) – o pianista lançou em 1996 um disco apropriadamente chamado The New Standard.
Embora nenhum novo standard tenha nascido de forma unânime a partir do repertório escolhido, Herbie Hancock apropriou-se das canções, tornou-as suas e criou um belo disco. Os nomes escolhidos são díspares em estilo e género, mas o resultado destas transfigurações nunca deixou de soar como jazz: Paul Simon, Beatles, Peter Gabriel, Stevie Wonder, Sade, Prince e Kurt Cobain foram os escritores de canções escolhidos. A propósito, se quiserem conhecer a versão jazzística de All Apologies (Nirvana), força.
Em 2006, Herbie Hancock voltou ao seu papel de construtor de pontes musicais ao lançar um disco de duetos que incluiu nomes como Carlos Santana, outra vez Paul Simon, Annie Lennox, John Mayer, Christina Aguilera e Sting – uma jazz-pop thing, como lhe chamaram alguns críticos. Nada disto é novo, pois o lendário Miles Davis, pouco antes de morrer, já se associara a gente do rap e do hip-hop no álbum Doo-Bop, em 1992, quando estas músicas se faziam nas ruas das cidades e ainda não tinham sido aburguesadas pela MTV. Se estão curiosos em relação ao resultado desta associação entre Miles e o hip-hop, então saquem estes temas: Mystery e The Doo-Bop Song. É por aqui.
A relação com os Radiohead iniciada por um outro grande pianista de jazz, talvez o melhor da sua geração, o meu preferido, Brad Mehldau, tem por base o mesmo princípio: o futuro do jazz, afirmou Mehldau numa entrevista ao Guardian, passa por «devorar todos os géneros de música e, deste modo, tornar-se mais vital do que nunca.» Para esta visão ecléctica da música terá contribuído o facto de, a partir dos quatro anos, quando começou a aprender a tocar piano, gastar horas a devorar toda a música que passava na rádio, sobretudo Steely Dan, Stevie Wonder, Led Zeppelin, Steve Miller Band e Joni Mitchell. Aos dez, um novo professor de música incutiu-lhe o gosto pela música clássica. Aos treze, descobriu o jazz. «Naquela altura, no liceu, a maior parte do pessoal queria era futebol [futebol americano, não o nosso] e então a mensagem que os mais velhos passavam aos mais novos era ‘Pá, têm de aprender a atacar a bola’. Nós ouvíamos mais do género ‘Pá, têm de conhecer Charlie Parker e aprender os seus solos’».
A descoberta e o entusiasmo pela música de Elliott Smith, Fiona Apple, Rufus Wainwright e Nick Drake, que nada têm a ver com o jazz, levou alguns amigos a chamar-lhe atenção para os Radiohead. «Conheci-os numa altura em que já estava um bocadinho cansado de andar pelas discotecas a comprar todos os discos de jazz que conseguia». A partir daí, a música dos Radiohead começou a fazer parte do seu reportório jazzístico. Paranoid Android (*) e Exit Music (For A Film) (*), ambos de OK Computer, Everything in Its Right Place (*), de Kid A, foram os primeiros. O disco de 2005, Day Is Done, inclui o tema Knives Out (*), de Amnesiac.
Brad Mehldau não é o único jazzman a fazer covers da banda – é apenas o mais conhecido. Muitos outros entraram na onda dos Radiohead. Como explica outro pianista, Robert Glasper, que incluiu no seu último disco, In My Element, um medley formado pelo tema Maiden Voyage, de Herbie Hancock, e Everything in Its Right Place (*) «muitos músicos de jazz adoram os Radiohead. Eles têm mudanças de acordes tão bizarras como esquisitas, tempos completamente loucos, mas também belas e incontornáveis melodias. Eles têm uma forma de complexidade muito subtil, nem dás por ela; mas é destas características que se faz a força da boa música».
A lista cresce à medida que se investiga. The Bad Plus, Yuri Honing e Chris Potter são alguns dos exemplos sobre os quais falarei no post que se segue. O fenómeno é tão notório que o Guardian desafiou cinco músicos de jazz a criar uma versão jazzística de Nude, o belíssimo tema do último disco da banda, In Rainbows.
Os resultados podem ser ouvidos
http://www.guardian.co.uk/music/2008/nov/07/jazz-cover-of-radiohead-s-nude
Fonte: http://bitaites.org/musica/o-jazz-adora-os-radiohead-parte-1